Da Mente ao Algoritmo
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HISTÓRIA MUNDIAL
Bruno Pereira Ferreira
11/11/20254 min read
“O último campo de batalha do poder não está nas ruas, mas dentro da mente humana.
Cada clique, cada pensamento e cada emoção tornaram-se fonte de controle.
O que acontece quando os algoritmos passam a conhecer você melhor do que você mesmo?”
O século XX marcou a consolidação do capitalismo financeiro e a expansão das grandes corporações e oligopólios globais. Essas empresas não buscavam apenas vender produtos, mas criar mecanismos para conhecer, prever e fidelizar consumidores. Como destaca Zygmunt Bauman, “o consumo tornou-se o eixo organizador da vida social” (Bauman, Vida para Consumo, 2007). A propaganda e o marketing tornaram-se, portanto, ferramentas centrais para compreender comportamentos, desejos e padrões culturais de diferentes sociedades.
Embora a publicidade tenha se intensificado no século passado, sua lógica já existia antes, especialmente com a expansão do cristianismo na Idade Média, quando a Igreja Católica desenvolveu estratégias de comunicação para difundir sua fé. Com o advento do mercantilismo, o crescimento do comércio e o fortalecimento da burguesia, a Revolução Industrial na Inglaterra acelerou o consumo e inaugurou uma nova era de produção em massa. Segundo Eric Hobsbawm, a industrialização foi “uma transformação total das estruturas sociais, econômicas e culturais” (Hobsbawm, A Era das Revoluções, 1962).
No século XX, a chegada do rádio, da televisão e, posteriormente, da internet, ampliou de forma inédita o alcance da publicidade. Oferecer produtos deixou de ser suficiente: era necessário cativar o consumidor, utilizando técnicas psicológicas e “gatilhos mentais” que estimulassem o desejo. Conforme argumenta Guy Debord, “tudo o que era vivido diretamente tornou-se mera representação” (Debord, A Sociedade do Espetáculo, 1967). Nesse contexto, músicas, imagens, celebridades, narrativas e símbolos passaram a moldar não apenas o consumo, mas identidades e estilos de vida.
A máxima tradicional “diga-me com quem andas e te direi quem és” transformou-se em “diga-me o que você compra e te direi quem és”. O avanço tecnológico intensificou a segmentação do consumidor, tornando o marketing personalizado cada vez mais sofisticado. No entanto, essa busca permanente por aceitação social e pertencimento gerou uma contradição profunda: o aumento do consumo não trouxe proporcional crescimento de bem-estar. Como observa Byung-Chul Han, vivemos sob “a sociedade do cansaço”, marcada por ansiedade, depressão e esgotamento (Han, A Sociedade do Cansaço, 2010).
O vazio existencial decorrente dessa lógica levou ao aumento do consumo de ansiolíticos, à busca por terapeutas, gurus, seitas e filosofias espirituais, bem como ao crescimento de transtornos relacionados à pressão estética e à desigualdade social. O resultado, especialmente em sociedades desiguais, tem sido o aumento de depressão, suicídio, violência e dependência química. Diante disso, organizações da sociedade civil e novas iniciativas sociais procuram repensar modelos de consumo mais humanos e sustentáveis.
A expansão da internet após a Segunda Guerra Mundial, acompanhada da popularização de dispositivos digitais, transformou a publicidade mais uma vez. No final do século XX e início do XXI, a revolução dos smartphones, tablets e computadores consolidou a internet como principal espaço de interação e consumo. Plataformas digitais, vídeos, banners virtuais e influenciadores — de YouTubers a microcriadores — passaram a dominar o mercado global. Shoshana Zuboff denomina esse processo de “capitalismo de vigilância”, no qual dados pessoais tornam-se matéria-prima para previsão e modulação de comportamentos (Zuboff, A Era do Capitalismo de Vigilância, 2019).
Empresas de tecnologia investem massivamente em algoritmos, inteligência artificial e experiência do usuário (UI/UX) para direcionar compras de forma quase instantânea. O consumidor, antes presencial, tornou-se um agente remoto e invisível, mas profundamente rastreável.
Os desafios do século XXI envolvem não apenas inovação tecnológica, mas também reconstrução social. Além de lidar com automação, desemprego estrutural, desigualdade e mudanças climáticas, é necessário enfrentar os impactos psicológicos e socioculturais produzidos pelo modelo de consumo do século XX. Exige-se a formação de profissionais capazes de compreender não apenas algoritmos e padrões de consumo, mas também emoções, limites humanos e dinâmicas sociais.
Para enfrentar o futuro, será necessário desenvolver sociedades mais integradas, com trabalhos mais próximos das pessoas, sistemas de mobilidade compartilhada, educação emocional e participação comunitária. Em vez de um mundo que segrega, é preciso construir um que acolha — onde mente e algoritmo não sejam campos de batalha, mas ferramentas para uma vida mais consciente.
Referências Bibliográficas
Bauman, Zygmunt. Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
– Utilizado para fundamentar a ideia de sociedade de consumo e transformação do indivíduo em consumidor.
Hobsbawm, Eric. A Era das Revoluções: 1789–1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1962.
– Utilizado para contextualizar a Revolução Industrial como marco das transformações sociais e econômicas.
Debord, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Paris: Buchet-Chastel, 1967.
– Utilizado para embasar a crítica ao papel das imagens, representações e marketing na sociedade contemporânea.
Han, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2010.
– Utilizado para abordar a crise emocional, ansiedade e exaustão na modernidade tardia.
Zuboff, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância: A Luta por um Futuro Humano na Nova Fronteira do Poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.
– Utilizado para fundamentar a discussão sobre algoritmos, dados, vigilância e manipulação comportamental.
